Simplificação tributária, remédio contra a guerra fiscal

Simplificação tributária, remédio contra a guerra fiscal

Não poderia haver momento mais propício ao debate. Em meio às discussões no Congresso Nacional sobre a reforma tributária, representantes do setor de combustíveis, um dos segmentos que mais arrecada impostos no Brasil, retomam as investidas em prol de um pleito antigo da categoria: a simplificação da tributação, com a uniformização das alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

De acordo com estudo realizado pelo Boston Consulting Group (BCG), o preço da gasolina no Brasil é 8% inferior à média global. Em junho de 2018, o combustível custava, em dólares, aproximadamente US$ 1,20 no país, enquanto a média global era de quase US$ 1,40.

Apesar de custar nominalmente menos do que no resto do mundo, a gasolina pesa mais no bolso do consumidor brasileiro. No caso da gasolina comum no Brasil, grande parte do preço final do produto é composto por tributos. Em 2019, os valores do ICMS e do PIS/Cofins representam, respectivamente, 29% e 14% do valor total.

Da forma como são cobrados hoje, os tributos estimulam a concorrência desleal e fortalecem a figura do devedor contumaz. Segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural), R$ 7,2 bilhões são sonegados por ano no mercado de combustíveis.

No estudo, foi considerada a relação entre o potencial tributário e a arrecadação do imposto, chegando ao valor de R$ 5,3 bilhões de sonegação e inadimplência de ICMS em 2018, valor 10% superior ao último levantamento, feito em 2016. Foram considerados também os índices de sonegação de ICMS interestadual, o valor de inadimplência do PIS/Cofins, no valor aproximado de R$ 1 bilhão, além do valor de sonegação por adulteração. Do valor total de R$ 7,2 bilhões, é possível estimar que, por dia, mais de R$ 19 milhões em impostos deixam de ser pagos.

Esse rombo é resultado da confusão de regulamentações e alíquotas. Uma complexidade que se traduz em 27 Regulamentos de ICMS atualmente em vigor no país. O advogado tributarista Hugo Funaro destaca que a disparidade de alíquotas cria tratamento desigual entre os consumidores, pois abastecer o veículo pode ser bem mais caro em uma unidade da Federação do que em outra. “O ICMS do diesel, por exemplo, varia de 12% a 25%, a depender do estado. Além disso, é comum a prática de vendas fictícias de etanol para outros estados, com aplicação de alíquota interestadual de 7% ou 12%, quando, na realidade, o produto é vendido dentro do próprio estado, onde a alíquota é superior”, aponta Funaro.

Para promover o debate sobre o tema e marcar posição, o Combustível Legal, criado pela Plural em 2016, lançou neste ano a campanha “Combustível Legal. Legal é tudo que ele faz por você e pelo país”. Pelo modelo proposto, seria adotado o sistema de tributação monofásica, recolhido no primeiro elo da cadeia. De acordo com a Associação, isso garantiria uma estabilidade no preço final, além de contribuir para o fim da guerra fiscal entre estados, desestimulando a ocorrência de fraudes.

A monofasia consiste na cobrança do ICMS uma única vez, de um único contribuinte. “Com isso, elimina-se a necessidade de cobrança e fiscalização dos diversos agentes econômicos que realizam a venda do produto desde a sua produção ou importação. Trata-se, portanto, de uma medida de simplificação e eficiência tributária, que está à disposição dos Fiscos estaduais há cerca de 18 anos — Emenda Constitucional 33/01 — e que poderia ser implementada por um convênio do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária)”, aponta Hugo Funaro.

O presidente executivo da Plural, Leonardo Gadotti, avalia que um dos objetivos finais da campanha, o de buscar o alinhamento nacional entre as alíquotas, não precisaria necessariamente ser alcançado neste primeiro momento. “Poderíamos começar com um alinhamento regional. Isso já ajustaria a evasão e a sonegação nas vendas. O que não dá é para ficar com essa profusão de alíquotas e cada estado com uma legislação específica”, afirma ele.

Gadotti explica que a diferença de alíquotas entre os estados e o fato de o etanol hidratado ser tributado tanto nas usinas quanto nas distribuidoras estimulam as fraudes. “O grande problema é a complexidade. Com a discussão da reforma tributária, agora é a hora, vamos participar”, diz. “É o momento ímpar de colocar a experiência do setor que mais arrecada”, complementa.

Presidente do Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda, Receita ou Tributação (Comsefaz), o Secretário da Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles, ressalta que todos os estados estão unidos pela necessidade de mudança na política tributária do Brasil. “Há um ambiente favorável para isso. Propomos uma mudança que vai padronizar e simplificar, melhorando o ambiente de negócios e destravando o desenvolvimento econômico do país”, avalia. O Comsefaz quer a criação de um único imposto sobre bens e serviços que substituiria três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), além do ICMS (estadual) e do ISS (municipal).

O ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, diz que a perspectiva do governo é finalizar a reforma tributária ainda neste ano. Segundo ele, para solucionar a complexidade do sistema de tributação brasileiro, é necessário rever o pacto federativo e descentralizar a arrecadação de impostos. “Precisamos ser capazes de nos colocarmos na posição do outro. Não adianta fazer uma reforma que tira do outro”, explica.

Participante ativo do debate sobre o tema, o deputado federal Alexis Fonteyne pondera que qualquer sistema tributário, quando cumulativo, tira a neutralidade da atividade econômica. “Prejudica o livre mercado porque estimula as empresas a se verticalizarem e não venderem de umas para as outras. Fica tudo em um CNPJ só. Isso cria uma distorção na economia”, avalia. “Outro problema é a falta de transparência. Quando você olha um produto, não sabe quanto de tributo tem.”

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, avalia que a complexidade tributária faz crescer, na Justiça, o número de processos envolvendo tributos. “Somos muito competentes para criar tributos pouco compreensíveis. Faltam simplicidade, clareza e transparência”, aponta.

Devedor contumaz, o vilão a ser punido

Além da simplificação tributária, medidas que combatam o devedor contumaz são fundamentais, pois previnem desequilíbrios da concorrência, inibem a sonegação, a inadimplência e a adulteração de produtos. “Há uma tolerância muito grande com a figura desse devedor. No Brasil, você tem o devedor eventual de um pequeno negócio, que deve, por exemplo, R$1 mil por algum problema. E há também o distribuidor de combustíveis que deve meio bilhão de reais e é tratado do mesmo jeito. Isso é um problema sério da legislação”, aponta o diretor de Planejamento Estratégico e Mercado da Plural, Helvio Rebeschini.

Uma iniciativa importante na área é o PLS 284/2017, de autoria da Senadora Ana Amélia e atualmente sob relatoria do Senador Rodrigo Pacheco, que estabelece critérios especiais de tributação e fiscalização e busca punir o devedor contumaz. O projeto de lei é defendido com veemência pelo presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona.

“O PLS 284/2017 define bem o que é o devedor contumaz, aquele que deixa de pagar tributos para obter vantagem concorrencial. Ele se traveste de devedor eventual e reiterado, mas é diferente. Na maioria, não tem capital social, trabalha muito acima da estrutura formal, atua com laranjas, tem movimentação financeira fantástica. O contumaz se organiza, cria uma estrutura administrativa para não pagar impostos”, explica Vismona.

Além de prejudicar a concorrência, por conta das altas margens de lucro proporcionadas pela sonegação, o devedor contumaz lesa o Fisco em bilhões de reais. “Junto a isso, não respeita outras regras, adultera os produtos, prejudica também o consumidor”, diz o presidente do Etco.

Apesar das enormes diferenças entre os tipos de devedores, a legislação atual não faz distinção entre eles. “Todos são tratados como se passassem por dificuldades, mas isso não é real. O resultado é uma dívida de R$ 3,3 trilhões, quase metade do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro”, afirma o presidente do Etco.

Fonte: Correio Braziliense

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